Opa, boas?
Nota: Mais um artigo interativo no formato storytelling, com um personagem que questiona pontos que talvez vocês também estejam a pensar. Vou chamar ele de Joãozinho 😉
Este artigo é fruto de algumas reflexões que fiz recentemente e gostaria de compartilhar convosco. Não se trata, de modo algum, de um estudo científico, mas sim de uma análise empírica com base em todos os dados públicos que consegui acessar. O objetivo não é causar alarmismos, mas colocar este tópico em conversa e promover uma reflexão construtiva sobre questões que merecem a nossa atenção.
# O que é o INSS
O Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) é o principal órgão responsável pela gestão da proteção social em Angola. O seu papel é garantir que trabalhadores ativos contribuam financeiramente para que, em caso de aposentadoria, invalidez, maternidade ou outros eventos sociais, tenham direito a benefícios. (Proteções Sociais (opens new window))
O funcionamento do INSS baseia-se no princípio da solidariedade intergeracional: os trabalhadores em atividade financiam os benefícios dos aposentados e dependentes, criando um sistema de redistribuição de recursos. As contribuições provêm do setor privado e público, e a sustentabilidade do sistema depende diretamente do número de contribuintes ativos, da regularidade das contribuições e da gestão eficiente dos recursos e investimentos do instituto (MAPTSS, 2022 (opens new window)).
Joãozinho: 🧐 Mas Acidiney, isso não é tipo uma pirâmide?
R: 😏 Bom, para nós os leigos, se parece uma pirâmide, cheira a pirâmide... Então é uma pirâmide. Porém, segundo os estudiosos a diferença aqui é que é um "sistema solidário intergeracional". Se as contribuições diminuem ou os investimentos não rendem, o sistema entra em apuros… e é disso que vamos falar.
# Êxodo: uma bomba silenciosa
Nos últimos anos, Angola tem assistido a um aumento significativo da saída de jovens do país. Entre 2017 e 2023, a comunidade angolana em Portugal triplicou, passando de cerca de 16.854 para 55.589 residentes (Afrobarometer, 2024 (opens new window)). A grande maioria são jovens urbanos, muitos com formação superior porém considerados molduras(Pordata, 2024 (opens new window)).
Joãozinho: 😮 Mas isso é tão grave assim?
R: Sim, Joãozinho… Esta saída de cidadãos, sobretudo de jovens tipicamente urbanos e com formação académica, representa uma perda de capital humano necessário ao desenvolvimento económico e político do país. Um estudo de 2021 mostra que, embora a principal motivação dos emigrantes seja ajudar as suas famílias, muitos Angolanos em Portugal não enviam remessas devido à instabilidade económica no país de destino, o que significa que a situação económica das suas famílias piora frequentemente após a sua partida (Teixeira, 2021).
# A Realidade do INSS: contribuições e dívidas
Em 2023, o número de inscritos no INSS alcançou 2.694.367 cidadãos, representando um crescimento de 8,9% em relação a 2022 (Governo de Angola, 2023 (opens new window)). Apesar desse aumento, a dívida em contribuições em atraso ultrapassa 280 mil milhões de kwanzas. Além disso, embora o setor privado represente 79% das contribuições, 31,4% dos funcionários públicos não estão inscritos no sistema (Economia em Mercado, 2023 (opens new window))
Nota do autor:
Infelizmente, não existem dados públicos sobre o número exato de contribuintes ativos do INSS. Embora o registo de cerca de 2 milhões de cidadãos seja expressivo, é importante sublinhar que isso não significa que todos estejam efetivamente a contribuir. Dentro desse universo, existem pessoas que já não residem em Angola, trabalhadores que perderam o emprego (ficando temporariamente fora do sistema), bem como beneficiários em situação de invalidez que continuam a constar nas estatísticas. A ausência de dados detalhados limita uma análise mais rigorosa. Seria fundamental que estes números fossem publicados, para permitir um debate mais claro e transparente sobre a real sustentabilidade do sistema.
Esta informação é particularmente interessante de analisar, pois o maior empregador em Angola é historicamente o Estado. Isso se torna ainda mais relevante após os 500 mil empregos gerados, que resultaram na nacionalização de algumas grandes empresas privadas, como a Unitel (Dos 500 mil empregos prometidos, governo já criou 470 mil, afirma João Lourenço (opens new window)).
Outro ponto é que segundo dados recolhidos pelo Jornal Expansão, das cerca de 18 milhões de pessoas em idade ativa (~15 anos ou mais) em 2024, pouco mais de 2,5 milhões têm emprego formal. Isso representa apenas 14% da população em idade ativa a contribuir de forma regular para o sistema. Ou seja, a grande maioria dos cidadãos trabalha no setor informal ou está desempregada, o que limita severamente a base contributiva do INSS. (Expansão, 2025 (opens new window))
Joãozinho: 😬 Então estão a receber dinheiro de um lado e não de outro… complicado
R: Exatamente, Joãozinho. Menos contribuintes ativos = menos recursos para pagar quem já está a receber benefícios. É um efeito dominó.
# Investimentos
Um dos casos mais comentados é a compra de 51% da Movicel pelo INSS, investimento de mais de 40 milhões de dólares desde 2019 (Expansão, 2022 (opens new window)). Mesmo após esse investimento a empresa continua com dificuldades financeiras graves, incluindo dívidas e despedimentos em massa (Novo Jornal, 2022 (opens new window)).
Joãozinho: 😅 Isto tudo me lembra a minha mãe… eu ouvia de um lado e saía do outro! O INSS investe numa empresa a falir, o Estado também… no final, a empresa continua a falir. Para onde foi o dinheiro? Well, well… mas acho que isso não é assunto para este artigo. Vamos continuar.
Além da Movicel, o INSS chegou a realizar investimentos em infraestrutura para modernizar serviços públicos (MAPTSS, 2022 (opens new window))... Que até o presente momento tem se mostrado positivo, segundo o INSS, em 2024 houve uma arrecadação de mais de 1 bilião de kwanzas, representando um crescimento de 26% em relação a 2023. Notícias ao Minuto, 2025 (opens new window)
Joãozinho: 🤨 Então estamos a perder dinheiro com Movicel, e ainda há menos contribuintes…
R: Pois é, Joãozinho… e como disse Rui Falcão, “não somos quadros, somos só a moldura”. E é exatamente isso que se vê quando olhamos para o êxodo juvenil e o impacto no INSS: muitos deixam o país, e o que fica são estruturas.
# Projeção para os próximos 15 anos
Se o ritmo de saída de jovens continuar, aliado a investimentos pouco rentáveis, o INSS poderá enfrentar sérios desafios nos próximos 15 anos — mesmo considerando que, em 2024, arrecadou mais de 1 bilião de kwanzas e recuperou dívidas significativas de empresas devedoras.
Depender da mão de obra ativa é um pilar estrutural do INSS, e apenas um ano positivo não garante um futuro promissor se o êxodo juvenil persistir.
O que poderia salvar o sistema?
- Reter talentos e formalizar empregos;
- Reformar o sistema de arrecadação e cobrança;
- Avaliar melhor os investimentos do instituto, priorizando rentabilidade e segurança.
Joãozinho: 😱 Então estamos à beira de um colapso?
R: Obviamente, estamos a falar de um futuro que somente acontecerá caso o êxodo continue e os investimentos à semelhança da Movicel também continuem. Se nada mudar nestes dois aspetos fundamentais, a sustentabilidade do sistema estará em risco. Mas ainda há tempo para agir e fortalecer o INSS.
# Conclusão
O êxodo juvenil e os investimentos pouco rentáveis do INSS não são apenas números em relatórios. Eles têm impacto real no futuro da proteção social em Angola. Este é um assunto que merece mais atenção e debate público.
Fontes:
Teixeira, 2021